20 de nov. de 2025

Quando a tecnologia não ajuda...

Lembro-me da primeira vez em que vi um pedido chegar à cozinha não por um garçom apressado, mas por uma impressora que apitava sozinha. Foi um susto — e uma pequena revolução. Naquele instante percebi: a tecnologia havia cruzado definitivamente a porta das cozinhas.

Hoje, praticamente não há lugar onde ela não tenha chegado. Mesmo em um ambiente tradicionalmente manual (e braçal, diga-se de passagem), a modernidade já se faz presente — discretamente, mas transformando rotinas de uma profissão antiga.

Os recursos são muitos: de simples aplicativos que distribuem pedidos simultaneamente para a cozinha, a pâtisserie e o bar, até sistemas complexos de controle de estoque, pedidos e horários de trabalho. O resultado? Mais eficiência, menos desperdício e uma visão clara do que realmente gera lucro.

Mas toda ferramenta, por mais avançada que seja, é inútil sem quem saiba operá-la. E aí mora o desafio. No Brasil, percebi que muitos profissionais da cozinha ainda têm dificuldade em lidar com os aplicativos de gestão — o que gera confusões, números imprecisos e frustração. Na Europa, por outro lado, vejo equipes cada vez mais experientes, porém menos familiarizadas com o mundo digital.

Entre a tecnologia disponível e a prática cotidiana existe um abismo — um gap que só será superado com algo essencial: capacitação tecnológica.

Acredito que o futuro das profissões, inclusive as mais manuais, depende dessa ponte entre o saber fazer e o saber usar. A tecnologia não veio para substituir o toque humano, mas para potencializá-lo.

Afinal, como diria o Superman da minha infância: “Para o alto e avante!”

LG

CarolP

10 de jun. de 2025

Em terra de IA, quem tem uma ideia é rei.

É inegável que, a cada dia, o uso indiscriminado e até exagerado da inteligencia artificial nos leva a um destino ainda desconhecido, porém "confortável" no que se refere ao esforco pessoal para praticamente qualquer tarefa.

Fica mais fácil acompanhar essa transicao nos servicos que, automatizados em algumas áreas, se tornam mais rápidos e mais precisos. Já na gastronomia há a dificuldade de se automatizar algo que originalmente e naturalmente é feito com as maos. Nao necessariamente artesanal, mas feito com as maos.

A diferenca entre o chefe da cozinha e os outros cozinheiros da equipe sempre foi a capacidade de pensar e elaborar um cardápio além do talento em liderar um time e organizar a  producao desses alimentos, ajustar e equilibrar os sabores e, o que eu considero um dos maiores diferenciais, saber reaproveitar cada descarte de porcionamento de forma elegante e saborosa.

Meus primeiros contatos com essa capacidade, ou a falta dela, foram no Zuka (RJ) onde aprendi que essa qualidade num chefe de cozinha pode impulsionar ou afundar um restaurante. Dali, já no Café Laguiole, aprendi a arte da cozinha francesa na sua essencia especial, seu charme excepcional e principalmente no seu reaproveitamente elegante. O Chef Pierre Patrick de Belissen me ensinou como se elabora um cardápio integrado no uso dos ingredientes de forma inteligente, auspiciosa, respeitosa e pertinente à cada época do ano. Foram 6 meses ali, aprendendo os segredos de um oficio que só se aprende com prática, intencao e com as maos.

Hoje vejo os novos chefes de cozinha abrindo suas geladeiras e perguntando aos assistentes de IA o que fazer. Elaborando cardápios com o Chatgpt. Muitos nao sabem o que é e nem como funciona sazonalidade. 

Se por um lado há uma chance de a IA melhorar o servico de gastronomia indicando o que comprar e o que cozinhar, por outro também, e infelizmente, há a chance de tudo se igualar, se tornar padrao.

E a questao que me inquieta é: quanto tempo ainda temos pra apreciar o encantamento  nas cozinhas de maos talentosas que teimam em cozinhar sem essa tecnologia avalassadora? Quantos serao os lugares em que poderemos realmente provar comida caseira, respeitosa e afetiva?

LG

CarolP 

30 de mai. de 2025

Menopausa na cozinha?

Muito tem se falado da menopausa nos últimos tempos. Enfim discussoes mais abertas sobre os sintomas que afetam mulheres nos seus mais diversos ambientes.
Debates sinceros sobre um tema que muda a vida e a performance da mulher a partir dos seus 40 anos. 
Mas, e os homens? Eles nao tem alteracao nenhuma nas suas vidas, nunca?
SIM, tem sim! E essa mudanca tem nome, se chama andropausa, e sabe o que ela causa??? Muitos dos sintomas que afetam mulheres na menopausa / perimenopausa tambem sao sentidos por homens na andropausa - irritacao, tristeza, alteracoes de humor, fadiga, problemas de memória, entre outros.
E o que eu quero dizer com isso?
Bem, vamos abrir o verbo e lembrar que o ambiente das cozinhas profissionais é predominantemente masculino apesar da realidade inversa dentro de casa.
Com isso, os efeitos da andropausa na performance da equipe de cozinha tem que ser levados em consideracao, ainda mais quando pensamos na saúde mental do ambiente da gastronomia.
Os famosos "pitis" dos chefes de cozinha nao sao mera explosao por conta do stress do dia a dia. E vamos mais além, num único prato servido num restaurante há pelo menos o trabalho de 6 a 8 maos. Isso se contarmos só as maos dos cozinheiros, mas isso é tema pra outro post ;)
Se metade do time for masculina, temos ai praticamente 50% de maos tensas, muitas vezes tristes e vascilantes, tudo porque nao há conhecimento nem discussao, muito menos apoio àqueles que precisam.
O ambiente de cozinha por si só é hostil. E muitas vezes insalubre. Se o estado do humor ali dentro nao for acolhedor e solidário, com o chefe apoiando e sendo apoiado por sua equipe a grande chance é de acabar em acidentes, doencas, discussoes, falta de qualidade dos produtos e do servico... e tudo isso se reflete diretamente no retorno do investimento do restaurante.
A pressao pelo rendimento, pela performance e pela própria concorrencia combinada com os sintomas como tristeza, falta de memória, fadiga, irritabilidade e até depressao daquele ou daqueles que comandam o negócio refletem essa combinacao nas cozinhas que sempre precisam de novos funcionários - ninguém fica muito tempo, na caída do movimento, perda de qualidade devido à falta de interesse dos funcionários em prestar um bom servico.
Escolher um bom restaurante nao é só sobre uma boa comida e um bom servico, ao contrário, esses sao sinais de uma boa cozinha e consequentemente um bom restaurante.
Lembre-se disso ao escolher o lugar da sua próxima refeicao!

Liebe Grüße



17 de abr. de 2025

Já comeu RAIVA?

Vamos polemizar, hoje??

Aposto que já aconteceu com voce ou com alguem que estava com voce num restaurante e que pediu uma carne bem passada e a recebeu ao ponto menos. Voce chama o garcom e pede pra passar a carne mais uma vez. A cara dele é uma incognita... e voce pensa: sera que ele também acha que precisa passar mais? Será que ele tá me julgando e pensando que quero estragar a carne? Será que o chef vai devolver igual, ou pior... será que ele vai cuspir no meu bife?

olha... o máximo que já vi acontecer foi o chef, num mal humor típico de quando temos que refazer um trabalho, gritar na cara do cozinheiro pra deixar a carne na grelha até estragar e entao servir assim.

O ponto aqui é que no momento em que essa comida volta pra cozinha e é "refeita", o chef entende isso como uma reprovacao do trabalho dele (nao que o cliente nao tenha razao).

E o que volta pro nosso prato? Sendo sincera mesmo... Raiva.

É claro que erros podem acontecer mas, normalmente o cozinheiro responsável pela carne prepara carne o tempo todo, todos os dias em que trabalha, ou seja, errar o ponto da carne nesse caso significa que a cozinha está caótica e propícia a erros.

Aqui o exemplo é o ponto da carne mas poderia ser o sanduiche sem cebola, o molho à parte, uma pasta sem o ingrediente que te causa alergia.

Retrabalho na cozinha significa perda de dinheiro direto, perda de tempo e, claramente, dificuldade em cuidar do cliente. E a causa pode ser um ambiente de trabalho hostil e nao colegial.

A cozinha é o mais classico exemplo de trabalho em equipe. No seu prato tem o trabalho de pelo menos 4 pessoas - uma que prepara a proteína, outra que faz o molho, outra que cozinha os acompanhamentos e a decoracao do chef que entrega o prato ao servico.

Quando nao há concentracao, confianca, sincronicidade e o mínimo de harmonia dentro da equipe o resultado é o ERRO. 

Já pensou em quantos lugares voce pediu uma comida e recebeu raiva de brinde??

Por isso mesmo, pense bem onde come.

Liebe Grüße



14 de mar. de 2025

Tá aí a treta!!!

 As tretas sempre foram uma forca motriz na história da humanidade e na cozinha nao é diferente.

 Treta é o que nao falta no mundo da gastronomia. Seja entre restaurantes concorrentes ou até mesmo dentro da cozinha sempre tem uma disputa rolando.

Vale lembrar que no mundo da gastronomia o sistema é muito similar ao militar "manda quem pode e obedece quem tem juízo". Só nao obedece quem tem costas quentes ou talentos especiais tipo QI ou os filhos dos donos da poha toda.

Enfim, conceitos à parte, nessas disputas o objetivo é, normalmente, trocar quem manda ou quem se destaca, nesse caso, de preferência quem é novo na equipe e se destaca.

Eu tinha pouco tempo de volta ao Brasil depois do meu Master na Italia. Fui apresentada por um amigo à um grupo de entusiastas da gastronomia que desejava abrir um café no Itaim e tinham por objetivo vir a ser uma Fauchon em SP. Falamos de 2006, naquela época pouca gente sabia o que era uma loja de pratos rápidos, bonitos e bem feitos nos modelos franceses. Isso sem falar na patisserie de alta qualidade e muita técnica. 

Me empolguei, entrei com tudo no plano árduo que vinha pela frente. Muito trabalho, muita paciência para ensinar e um toque de improvisacao, afinal o café inteiro devia ter o tamanho do balcao da Fauchon em frente à Igreja La Madeleine em Paris.

Entre improvisacoes com ingredientes, falta de espaco físico para producao dos produtos e o conhecimento limitante da equipe, surge o Zé, o entao chefe da cozinha que, apesar de nao saber fazer uma massa de quiche simples, pensava que aquela menina mimada que foi estudar fora mal sabia fazer suspiro.

Uma das minhas tarefas era ensinar o Zé a fazer o básico na área salgada já que eu ficaria com as técnicas mais complicadas da confeitaria. Só que, como a treta nunca acaba nesse mundo, eu agora era o alvo na disputa pela atencao dos sócios do negócio. Afinal, quem se destaca mais tem mais chance de ser chefe. O que o Zé nao sabia era que um dos sócios, um professor de física de um cursinho pré vestibular que acreditava poder cozinhar, também pleiteava o cargo de chefe que apareceria na capa da Vejinha SP como destaque no cenário culinário da cidade.

Quando a disputa se acirra, nao tem como saber até onde vai o limite de cada um na investida pelo objetivo, o que eu nao sabia era que as disputas na área de marketing eram talvez menos baixas que na cozinha. Mas aprendi. 

Aprendi que uma pessoa que faz uma coisa errada por muito tempo, acreditando saber o que faz, se sente inseguro quando aprende como se fazer direito, mesmo que o direito seja ainda mais facil do que o errado.

E nessa disputa, quem saiu perdendo foi a clientela do Le Boulanger (que pelo jeito nao existe mais) que comeu quiche "francesa" com massa feita com gordura hidrogenada, Ragout de carne aromatizado com bouquet garni amarrado com o barbante que segurava uma grade no pé do fogao, salada com vinagrete de concentrado de groselha porque era frescura usar framboesa e ravioli recheado de carne moída tipo recheio de pastel, porque dava muito trabalho fazer o recheio italiano.

Essa é uma treta que nunca mais esqueci. Minha primeira dentro da cozinha.

Liebe Grüße

10 de mar. de 2025

Quando tudo comecou

 Nos idos de 2004 quando iniciei meu primeiro estágio na gastronomia eu me dei conta que os bastidores dos restaurantes era um ambiente diferente de tudo que havia visto até entao trabalhando em marketing.

Quem vem do ambiente de marketing / agencia de publicidade ve muita coisa doida por ai, até mesmo porque a profissao procura e incentiva muito isso. Mas era diferente.

O primeiro descontrole emocional de um chefe de cozinha eu vi ali, num restaurante recem inaugurado do Rio de Janeiro, bairro nobre, rua de roteiro de novela.

Um menino novo, hoje em dia conhecido dos programas de culinária da TV, que tinha acabado de iniciar sua carreira se permitia, aos berros, tratar sua equipe durante o sevico para deleite dos clientes curiosos que afogavam suas mágoas no balcao da cozinha aberta. Aquele menino que nao tinha de idade nem a metade do tempo de experiencia em restaurante que o mais novo cozinheiro do time.

Esse foi só o meu primeiro contato com a precariedade da saúde mental daqueles que trabalhavam num ambiente onde a pressao para a comida ser saborosa, sair mais rápido que a fome do cliente e ainda agradar à métrica estética da maioria das pessoas exige.

Ali aprendi que a conduta emocional nao linear poderia ser relevada, e ainda mais, até valorizada, criando uma persona que seria "vendida" pela agencia de marketing e acessoria de imprensa como criativa e eloquente.

Daí pra frente, muitos episódios chamaram minha atencao. Praticamente em todos os lugares que trabalhei nesses 20 anos de gastronomia tinham um ou mais personagens como esse.

E minha pergunta sempre foi a mesma: mas, porque eles podem agir assim, se dependem do bom funcionamento da equipe para seu próprio sucesso?

A resposta veio quase 15 anos depois, quando um chefe alemao disse ao meu colega em alto e bom som: "Aqui nao há democracia. Se quiser democracia vá trabalhar para o estado."

Liebe Grüße

CarolP  

Daqui pra frente, tudo vai ser diferente.... mas será?

 Daqui pra frente, nada será igual, mas também nao tao diferente assim.

Reparem que o modo de escrita deve mudar. O tom investigativo e neutro que usei até aqui vai dar lugar à narrativa da perspectiva de uma marketeira muito interessada em gastronomia que embarcou na aventura de mudar de profissao, de casa e de país. Nao necessariamente nessa ordem, mas no final foi tudo o que aconteceu.

Entre acertos e erros, hoje descobri que escrever me mantem lúcida, mais calma e principalmente feliz.

Me acompanhem nessa nova jornada. Abram seus olhos e coracoes para narrativas vivas dentro das minhas memórias, algumas com consequencias que permanecem até hoje.

Nao há ordem cronologica nem sugestao de leitura. Tenha apenas tempo para cada leitura, porque, se tudo correr como espero, cada post deve causar uma reflexao, que pode acontecer a qualquer momento depois da leitura, quem sabe até uns 20 anos depois quando, em um breve momento, uma situacao igual acontecer, ou for narrada por outro alguem.

Fique a vontade, divirta-se, chore ou reze por mim.

Liebe Grüße

CarolP.

17 de abr. de 2014

Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim....

Criações de Páscoa: Escultura de ovos e bombons variados
Já é Páscoa, uma data esperada e comemorada por muitas culturas no mundo.
Apesar das comemorações muitas vezes acontecerem em datas diferentes, o princípio é praticamente o mesmo: um marco de passagem.
Para os cristãos, ortodoxos ou não, a passagem da morte para a ressurreição; para os judeus, da escravidão para a liberdade e para os pagãos, a passagem do inverno para a primavera.Todos, sem exceção, marcam um período de renovação, onde a esperança e prosperidade caminham juntas no mesmo sentido.
Assim, cada um ao seu modo, representa seus rituais para abrir-se às novas possibilidades e ao período de bonança que está por vir.
E em se tratando de ritual, não podemos esquecer que a comida é parte importante, independente de qual se segue.
Curiosamente, um ingrediente sempre presente nos rituais da Páscoa é o ovo. Simbolicamente especial, por representar a vida nova, ele é consumido por todos as culturas que comemoram a Páscoa.
Quando falamos em ovo de Páscoa logo vem à nossa cabeça a figura do coelho com seus ovos de chocolate. E para entender essa ligação entre o ovo e o coelho, descobri uma lenda da mitologia nórdica onde a deusa da primavera, Eostre, estava durante o outono cantando com as crianças em um jardim quando um pássaro pousou em sua mão. Para encantá-las ela lançou um feitiço que transformou esse pássaro em lebre, seu animal predileto. Passado um período, as crianças, antes maravilhadas com a transformação, compreenderam que a lebre agora estava triste, já que não podia mais voar nem botar ovos. Foram, então, pedir a Eostre que desfizesse o feitiço, mas a deusa teria que esperar até a primavera, onde seus poderes estavam no ápice, para reverter, pelo menos por algumas horas, a condição do animal, visto que os feitiços são irreversíveis.
Assim o fez Eostre, transformou a lebre em pássaro e este voou feliz e voltou para botar ovos, muitos ovos. Logo depois voltou a ser lebre e sabendo que esta seria sua nova condição decidiu pintar os ovos e distribuir às crianças como um símbolo de vida nova.
Desde então, a deusa compreendeu a tolice do seu ato de interferir no livre arbítrio de um outro ser, e para nunca mais o fazer entalhou na lua a figura de uma lebre/coelho que pode ser visto quando a lua cheia aparece.
Essa lenda nórdica fez parte da cultura pascal do império germânico por muitos anos até que o império romano chegasse trazendo consigo a cultura cristã.
Da mistura dessas culturas, surgiu o modo cristão de se comemorar a Páscoa hoje em dia, com os rituais religiosos e as figuras do coelho e dos ovos de chocolate.
Bem, o coelho está explicado, mas porque o chocolate?
Por que a cultura pagã do império germânico foi mais forte na Alsácia, fronteira da Alemanha com a França, e dali muitas especialidades culinárias encantaram o mundo.
Não foi diferente com os ovos de chocolate. No século XVIII os confeiteiros da corte, que tinham acesso aos mais finos ingredientes, já utilizavam chocolate em suas preparações. Foi então que  eles tiveram a brilhante idéia de abrir um ovo de galinha, retirar seu conteúdo e colocar ali dentro chocolate e marzipan para que o Rei pudesse presentear seus companheiros da corte com um ovo "personalizado".
O mesmo aconteceu com a colomba pascal que nasceu com o formato de um cordeiro (simbolizando o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo na cultura crista) e, dependendo da cultura tem formatos e receitas diferentes.
Desde então, as delícias da Páscoa são consumidas mundo afora sempre com um ritual e um significado próprios!
Boa Páscoa!

29 de mar. de 2014

Fortuna a tutti!

Gnocchi di Ricotta(esq), Recheado (centro) e Romano - de semolina (dir)
Hoje é dia 29!  Não há como não se lembrar da famosa tradição de comer gnocchi para garantir bonança até o dia 29 do próximo mês. Pelo menos para uma família italiana....
Nas mais tradicionais famílias italianas que se instalaram na América Latina o costume é bem difundido chegando até, em alguns casos, ser praticamente uma obrigação.
Na verdade, a tradição não é puramente italiana como se pensa e sim argentina..... mas peraí, o que então os italianos tem a ver com isso???? Tudo! Afinal a lenda que deu origem à tradição do gnocchi da fortuna é italiana.
Diz-se que na antiguidade São Pantaleão se disfarçou de andarilho e saiu pelas ruas de um vilarejo italiano pedindo comida. Uma família simples o acolheu, ainda que não tivesse muito para dividir. Assim, cada pessoa que se sentou à mesa naquela noite recebeu 7 "gnocchis" no seu prato. Agradecido, São Pantaleão se despediu e foi embora. Porém, a grata surpresa veio quando, ao recolher a louça, a família descobriu moedas de ouro debaixo dos pratos "deixadas" pelo santo.
Influenciados pela lenda, os italianos imigrantes que chegavam à América teriam iniciado a tradição de comer gnocchi no dia 29 de junho, devido à devoção à São Pedro, garantindo um ano de fortuna e sorte. Mais tarde, os restaurantes viram uma boa oportunidade em oferecer "o benefício" de reforçar os votos a cada mês.
Muito antes disso, entre 5000 e 500a.C. mais ou menos, as primeiras sociedades agrárias da região do Val di Ledro no Lago Varese - Lombardia, já faziam gnocchi, segundo um estudo arqueológico numa vila de palafita nos alpes protegido pela UNESCO.
Esse gnocchi era feito com uma pasta de cereais que era obtida através do uso de pilões de pedra.
Na Roma antiga o gnocchi feito de semolina já era popular e tradicional na culinária. 
Com o passar dos anos o gnocchi chegou à corte Sforzesca, em Milão, onde era prato certo durante as festividades militares e casamentos. Esses eram feitos com miolo de pão, leite, amêndoas e queijo Cacio Lodigiano e se chamavam zanzarelli.
Dependendo da ocasião haviam mudanças de cor acrescentando-se espinafre ou outros legumes de cores fortes. Para dar um ar de riqueza ao prato, muitas vezes era feito com caldo de aves, ovos e acafrão que resultavam na cor dourada.
Nos anos 600 o zazarelli se transformou e passou a se chamar malfatti - mal feitos em italiano - que tinham farinha, água e ovos, de acordo com a receita, ao invés do pão e amêndoas.
Somente no século XVI, depois da chegada da batata na Europa, é que ela se tornou o ingrediente base do gnocchi que conhecemos hoje.
Até hoje na Itália, o gnocchi é um prato de festa, independente do dia da semana que é servido.
Então, se tem gnocchi é pra festejar!
 












22 de mar. de 2014

O legado das irmãs Tatin

Tarte Tatin sendo virada e pronta para servir com uma quenelle de sorvete
É primavera! Começa um novo ciclo que traz consigo a marca do renascimento e da prosperidade. Com as primeiras flores começando a aparecer por aí, não posso deixar de pensar nos pomares de macieiras floridas que existem aos montes em Frankfurt e seus arredores.
Curiosamente a maçã por si só, tem uma simbologia muito especial e que "casa" perfeitamente com a época: fertilidade e amor nas suas flores e imortalidade e pureza nos seus frutos.
Depois dessa "viagem" toda, é praticamente impossível pra mim não associar essa informação toda a uma comida.... rsrsrs
E claro, me veio à cabeça uma das tortas mais famosas (senão "A" mais famosa) mundo afora: Tarte Tatin!
Diz a lenda (a mais conhecida, pelo menos) que as irmãs Caroline e Stéphanie Tatin herdaram um hotel depois da morte do pai em LaMotte-Beuvron, no Vale do Loire. Uma se dedicava mais à administração e outra mais à cozinha. E numa noite de intenso movimento, devido ao período de caça na região, Stéphanie teria se esquecido de montar a torta, já famosa do local, com a massa por baixo. Quando se deu conta do equívoco tentou salvar a sobremesa colocando a massa por cima e virando-a no prato para servir. E, visto que as maçãs já estavam bem caramelizadas serviu ainda morna. Conclusão: Sucesso total! A grande fama mesmo só teria se concretizado anos depois quando o dono do Maxim's de Paris teria se disfarçado de jardineiro no hotel para obter a receita que foi levada ao famoso restaurante onde teria sido chamada de "Tarte des Demoiselles Tatin" (torta das senhoritas Tatin).
Mas como uma versão só não me parece suficiente, encontrei outra baseada num diário de uma amiga das irmas Tatin, num livro de receitas de um juiz amigo da família que cozinhava por hobby e no livro de receitas de uma ex-funcionária do hotel. Nessa versão a história é assim:
A torta teria sido criada em 1880 pelas irmãs Tatin baseada em receitas tradicionais da região. O hotel seria aberto em 1894, inicialmente com o Nome de Hotel de La Gare, depois Hotel Pin d'Or e somente depois como Hotel Tatin. Em 1900 o Hotel Tatin já aparecia como referência no famoso Guia Michelin.
Diferentemente das receitas de hoje em dia, a torta levava ingredientes simples, facilmente encontrados na região, sem adição de especiarias, calvados ou mesmo uvas passas, sua massa era uma simples pâte brisée sucrée (massa podre doce) e que deveria ser servida morna e sozinha. A diferença ficava por conta do tipo de maçã, bem mais difícil de ser encontrada  hoje em dia e no modo de preparo que exigia um "four de Champagne" (forno da região de Champagne) que se assemelhava a uma caçarola de ferro com tampa onde se colocavam as brasas por cima para dar tempo ao açúcar de se transformar em caramelo sem queimar.
Sua fama teria se iniciado 20 anos depois da aposentadoria das irmãs quando a receita apareceu no livro "La France Gastronomique".
Como a sobremesa foi parar no Maxim's ainda não se sabe, já que lá eles investem no glamour da estória do jardineiro-espião mesmo o dono tendo somente 4 anos quando da aposentadoria das irmas em 1906.
Fato mesmo é que a Tarte Tatin encanta quem a prova desde o século XIX, seja lá qual a versão que acreditamos. E prová-la do modo tradicional ou com todos os aperfeiçoamentos da receita é, indiscutivelmente, a parte mais saborosa! 












29 de abr. de 2013

Cassoulet – Um Patrimônio Culinário


Cassoulet original servido em Castelnaudary
Isso é o que dizem os membros da Confraria do Cassoulet de Castelnaudary na França.
Ainda posso sentir o cheiro saindo daquela panela grande sobre o fogão, com o fogo bem baixinho e minha avó dizendo: “Ainda falta um pouquinho, mas já já fica pronto!”. E da espera pelos convidados que vinham de longe para poderem se deliciar com a “Feijoada branca da Vó”.
Eu nunca soube de onde tinha vindo aquela receita mas, anos mais tarde, descobri que a fonte havia sido uma amiga da família que, ao provar o prato num famoso restaurante francês de São Paulo da época, ganhou a receita do chefe da cozinha, um francês original, claro!
Desde então, o Cassoulet entrou para o livro de receitas da Vovó! E foi sempre uma opção diferente para os dias em que todos comiam feijoada.
E como não poderia ser diferente, a história do Cassoulet me encanta!
Voltemos aos tempos medievais, onde os homens – sempre alerta e presentes para uma batalha – se alimentavam de pratos pesados, carnes fortes com molhos - um Ragoût, guisado em português - para se comer com pão a fim de sustentar o porte de um guerreiro.
Pois então, é desse contexto que anos mais tarde surge o Cassoulet, que na verdade era o guisado com favas. Inovação creditada a um cozinheiro chamado Taillevant que, inspirado num livro de cozinha árabe refinada escrito por Mohamed de Bagdá em 1226, juntou as favas com carne de carneiro, ervas e especiarias exóticas da época como salsinha, sálvia e hissopo (uma planta muito usada na medicina atual) para cozinhar em fogo bem baixo.
Até então, um cozinheiro de Taillevant havia dado o nome de Hericot ao prato, que vinha do antigo verbo héricoter - cortar em pedaços pequenos - e que era um prato único e completo, podendo, inclusive, acomodar os restos da cozinha.
Esse guisado foi evoluindo com o tempo até que no fim do século 14 foi posto para ser cozido numa caçarola de terracota fabricada por um artesão italiano na vila de Issel, 8km de Castelnaudary, feita especificamente para cozinhar em fogo lento e que dá um sabor especial ao guisado.
Mas é só no século 16 que o Cassoulet que conhecemos hoje toma forma e nome.
Depois da chegada do feijão branco lingote (originário do Peru, Colômbia e México) na Europa para sanar a curiosidade botânica de um padre italiano, Alexandre de Médici ofereceu um saco deles para sua irmã, Catarina, como presente de casamento com o francês Henri II por serem considerados afrodisíacos.
Foi então que o cultivo do feijão se espalhou pela França. Com a boa adaptação do feijão lingote no sudoeste do país, logo o Hericot teve as favas substituídas pelo feijão branco, a carne de carneiro pelo confit de pato ou ganso a adição da linguiça de Toulouse e agora é sempre cozido na cassole, a famosa panela de terracota.
Daí o nome Cassoulet!
O guisado feito na cassole de terracota conquistou a França, e tornou-se um dos pratos típicos mais famosos do país.
Hoje é possível encontrar variações de Cassoulet conforme o local onde é feito, por isso dizem por aí que há que se provar o Cassoulet de Castelnaudary – Deus Pai, de Carcassone - Deus Filho e de Toulouse - Espírito Santo.

Amém!

Eu voltei, agora pra ficar!

O tempo passou, minha experiência maternal se concretizou e agora já posso, aos poucos, retornar!
Durante o final da gravidez e o início da vida de mãe tive muitas idéias de sobre o que escrever, revi muitas receitas que há tempos não provava, tive desejos de outras tantas que não pude comer e comi tudo o que pude. Só não consegui parar aqui para postá-las pois, entre malas de maternidade, bodys de manga comprida e curta, macacões forrados de inverno, montagem de berço, expectativa sobre o parto, sobre o rostinho do meu pequeno..... ele nasceu!
Agora a saga continua, talvez com menos frequência, mas as postagens voltarão com o mesmo amor pela história da comida que existia antes.
Afinal, como sempre digo: Gastronomia também é cultura!
Boa leitura!

5 de out. de 2012

No inverno ou no verão... irresistível sabor gelado!!

Sorvete italiano de cereja
Por um tempo quando criança tive o apelido de sorvetinho... isso mesmo, era carinhosamente chamada assim por tias, tios e pelos donos da padaria onde, todos os dias, eu tomava um picolé. Tenho que confessar, era irresistível... fosse verão ou inverno.
Mas na verdade quem é que realmente resiste a um bom e cremoso sorvete?
Até pode ser que a vontade chegue furiosamente e que você se contenha por um tempo.... mas não pra vida inteira. Acho que isso acontece com todo mundo... não fosse assim como se explica o sucesso avassalador dessa sobremesa tao consumida no mundo todo?
Considerando que existem muitas versões para a historia do sorvete, e que não se sabe bem ao certo qual ou quais delas são verdadeiras, o fato é que ele agrada... e muito!
Ao que se diz por aí, o sorvete pode ter sido uma invenção Persa em 400 a.C., onde se misturava água de rosas, uma massa bem fina (tipo vermicelli), açafrão e frutas com gelo vindo das montanhas. Nesse caso o responsável pela disseminação do sorvete pela Europa seria Alexandre - O Grande durante suas conquistas.
Até poderia fazer sentido, sendo que uma das versões mais citadas pela origem do sorvete venha de que Nero, o extravagante imperador romano, mandava seus servos às montanhas buscar neve para se deliciar com frutas. E que, sua exótica idéia tenha vindo de suas boas relações com os países do Oriente.
Uma versão muito citada também seria a de que na Dinastia Tang na China, conversava-se o gelo das montanhas do inverno em poços para que a família imperial pudesse misturá-lo com frutas, especialmente melão, e mel durante os meses de verão.
Mas como, no verão?! Pois é daí que surge a teoria de que na China descobriu-se que, adicionando salitre ao gelo a temperatura de congelamento da água cai para abaixo de zero possibilitando transformar um xarope de frutas ou leite com açúcar ou mel em uma mistura gelada e cremosa.
É desse ponto que a famosa viagem de Marco Polo à China torna-se também uma das fontes da invenção do sorvete, quando ele leva a técnica para Itália.
Inegável é que os sorvetes italianos são deliciosos. Além de macios e delicados.
Talvez por isso, Catarina de Médici tenha levado o sorvete para a França quando se casou com o Duque de Orléans.
100 anos depois, devido ao sucesso da sobremesa gelada entre a burguesia e nobreza européia foi a vez de Charles da Inglaterra se mostrar tão fascinado pelo sorvete a ponto de oferecer pensão vitalícia a seu confeiteiro em troca de guardar em segredo sua fórmula.
Com tanto sucesso na Europa, foi fácil o sorvete cruzar o oceano e chegar às Américas. Nos EUA chegou com a colonização inglesa, caindo rapidamente no gosto dos colonizados e fazendo de New York a capital dos sorvetes no país.
No Brasil o sorvete chegou em 1830 através de um carregamento de gelo e pêssegos frescos vindo de navio de Boston para o Rio de Janeiro.
No entanto, à primeira vista não teve sucesso. Os consumidores brasileiros acreditavam que o gelo queimava a língua.
4 anos mais tarde, uma outra tentativa de introducao foi feita. Agora pela Confeitaria Colombo que comprava o gelo vindo de navio e o conservava em covas com serragem, o que possibilitava conservá-lo por até 5 meses e se transformando no primeiro ponto de venda de sorvetes do Brasil.
Dessa vez, o charme da nobreza européia tomava conta dos costumes da colônia pelos espelhos de cristal.

5 de set. de 2012

La Crème de la Crème

Crème de la Gruyère com Merengue servido no modo mais tradicional
Datar exatamente de quando é minha lembrança daquele creme espesso, cheio de sabor e que derretia na minha boca é muito difícil. Já faz tempo que a referência gostosa daquele creme, combinado com o suspense da espera por ele habita minha memória.
Sendo bem sincera, eu cheguei até a imaginar, vez ou outra, que o que eu havia provado tantos anos atrás fosse somente um creme de leite batido em chantilly que minha mente havia registrado como algo diferente e distorcido seu sabor.
Mas para minha alegria eu descobri que esse creme existe, e ainda é tão saboroso como minha lembrança me dizia de quando, uma vez ao ano, eu ficava esperando ansiosamente para poder prová-lo depois das famosas festas alemãs realizadas pelo Lions Clube da minha cidade.
Ele se chama Crème Doble de la Gruyère e na época em que o conheci, não tinha idéia de onde vinha e qual a razão de seu sabor e consistência tão particulares. 
Esse creme provém do leite usado para a fabricação do famoso queijo Gruyère, mas tenho que dizer que ele é muito mais antigo que o queijo, apesar de menos famoso ao redor do mundo.
Dizem que as pastagens da região de Fribourg, onde fica a pequena cidade de Gruyère na Suíça, são a razão do leite ser mais gorduroso que o normal sendo possível dele extrair a nata 2 vezes.
A nata que aflora no leite em repouso é o creme do creme, ou seja, a mais nobre e que faz toda a diferença no produto final. Na segunda extração, um processo simples de centrifugação separa o restante da nata, a qual é misturada com a primeira formando o creme duplo que tem no mínimo 45% e máximo 66% de gordura e deixando pronto o "leite-base" para produzir o queijo tão famoso.
Apesar de passar por um processo de pasteurização antes do consumo, o transporte e conservação do creme são muito difíceis, motivo pelo qual não encontramos por aí o creme doble artesanal, somente o industrial que devido ao processo UHT de esterilização necessita de adição de espessantes que modificam seu sabor. 
Por tudo isso, eu nunca imaginava encontrá-lo novamente. 
Pois foi numa viagem despretenciosa a Suíça que me deparei com a possibilidade de visitar Gruyère e claro, comer queijo, fondue, raclete, etc. E chegando lá, a surpresa!
O Crème de la Gruyère com Meregue de sobremesa me esperava como, quando criança, a caneca de chopp cheia de creme na geladeira!
No Brasil, mais especificamente em Araras-SP, é possível ter um pouco desse gostinho na boca. Na Feira das Nações realizada anualmente  pela APAE existe uma barraca da Suíça e lá, o Merengue com creme.
Vale a pena provar! 



24 de ago. de 2012

Do Couscous ao Cuscuz, uma longa viagem!

Couscous de Sêmola com Frango e especiarias
Como grande apreciadora do Couscous Marroquino, me peguei outro dia tentando imaginar de onde vinha a semelhança do nome com nossa versão brasileira, a qual me parecia tão distinta.
E não é que, achei o "parentesco" entre os dois?!
O couscous (em francês) é, ao que tudo indica, originário da região norte-africana onde hoje é a Argélia, mais precisamente de Maghreb onde foram encontrados indícios arqueológicos de utensílios do século IX usados para seu preparo.
Esse prato era, antigamente, preparado com painço ou cevada que depois foi substituído por sêmola, o resultado da moagem incompleta de grãos, sendo a mais conhecida proveniente de trigo.
No modo tradicional, era artesanalmente feito por mulheres que misturavam sêmola e água e depois esfregavam a mistura entre as mãos até obter pequenas bolinhas dessa massa. Essas bolinhas eram secas ao sol para ficarem soltas e só depois de bem secas poderiam ser cozidas em panelas especiais que, como no princípio do cozimento a vapor, permitiam ao mesmo tempo a cocção da carne com legumes na parte de baixo, e do couscous em cima absorvendo todos os aromas e sabores que subiam no vapor.
No século XI o Império Árabe ganhava espaço, juntamente com o grande desenvolvimento das fazendas de trigo da região norte-africana. Com isso, o couscous foi sendo disseminado entre todos os lugares onde o Império se espalhava, incluindo a Andaluzia e o Mediterrâneo, chegando até a região da Provence, na Franca no século XVI.
Em Portugal, chegou  através da obra de Gil Vicente que, influenciado pela cultura ibérica levou o prato novo e exótico apresentando-o em suas pecas teatrais e contos.
Ao Brasil, há duas possibilidades de chegada: através dos portugueses que vinham para formar a corte e queriam manter os hábitos europeus; ou através dos escravos que, vindos da África, já conheciam o couscous da sua terra-mãe.
Na verdade, pode ser até que o couscous chegou pelas duas vias. Porém, o trigo não é natural do Brasil, o que dificultava seu preparo.
Mas para isso havia farinha de mandioca, de milho, de arroz e polvilho. A substituição foi praticamente automática e, por sinal, muito bem aceita.
Foi então que surgiu o cuscuz nordestino, o paulista, o carioca, etc. Com versões que vão de vegetarianas a doces, feitas com carne seca ou com sardinha, enformado ou mole, o cuscuz ganhou espaço na culinária brasileira.
Hoje, o Couscous de Sêmola (ou Marroquino, como é mais conhecido) virou o embaixador da cozinha norte-africana, sendo conhecido e apreciado no mundo todo e chegando a ser considerado o 3° prato favorito na Franca em 2011 segundo um estudo para a revista "Vie Pratique Gourmand".
Enquanto isso nossos representantes brasileiros, apesar de ainda desconhecidos do mundo, provocam muita água na boca e saudades do cuscuz da vovó.

8 de ago. de 2012

Londres - Olimpíadas, Realeza e,... Sanduíche!!

Tradicional Club Sandwich
Acompanhando ultimamente os jogos Olímpicos em Londres, um tema que vez ou outra vem à minha mente aparece com mais força: a gastronomia inglesa.
Já ouvi muita gente dizendo que os ingleses não usufruem de boa gastronomia e que tudo o que se prova de boa comida na Inglaterra tem outra origem que não a inglesa.
Admito que hoje em dia muito do que se encontra lá é, gastronomicamente falando, "importado" de outras culturas. Só não podemos esquecer que tempos atrás a Inglaterra ditava a moda, os modos e também cultura gastronômica.
Hamburger - a variacao mais conhecida
E uma das provas disso - e que, na verdade, foi assumido erroneamente pela gastronomia americana pelo grande consumo - é o Sanduíche.
Nas suas mais diferentes variações ele é hoje uma das comidas mais consumidas no mundo e sua origem, Inglesa!
Um antecessor do sanduíche apareceu no 1° século A.C. quando Hillel, um rabino, usou dois pedaços de pão judaico com nozes, maçãs, vinho e especiarias para comer com ervas amargas na comemoração da Páscoa Judaica.
Mais tarde na Idade Média, usava-se pão no lugar dos pratos - pela conveniência e também muitas vezes pela falta da louça - os quais em caso de saciedade com o que vinha em cima eram dados aos pobres como esmola.
Até então, essa comida era conhecida como pão-com-carne ou pão-com-queijo e já era citada em peças teatrais e textos escritos por Shakespeare.
O nome sanduíche (do inglês: Sandwich) apareceu pela primeira vez num artigo escrito por Edward Gibbons em 24 de novembro de 1762 sobre a conhecida casa de jogos "The Cocoa Tree" - frequentada pelos homens da alta sociedade inglesa no Pall Mall com St. James Street em Londres - que servia a iguaria criada na mais famosa e seleta casa de jogos da cidade, o "London's Beefsteak Club".
O "London's Beefsteak Club" era frequentado somente por membros da realeza e Lordes, entre eles o Lorde de Sandwich, um senhor muito fanático por jogos de cartas. Para que pudesse alimentar-se sem se afastar do jogo, o Lorde pedia duas fatias de pão tostado com carne dentro, podendo assim segurar a comida em uma das mãos e jogar com a outra.
Com isso, outros frequentadores igualmente fascinados pelos jogos começaram a pedir: "The same as Sandwich, please!" ( o mesmo que Sandwich, por favor!).
Estava criado o snack mais consumido do mundo, visto sua praticidade e rapidez.
Nos USA chegou somente em 1840 através do livro de receitas de Elizabeth Leslie, uma inglesa que sugeria o sanduíche de presunto como prato principal.
Se popularizou por volta de 1900 quando as padarias americanas começaram a preparar sanduíches para vender.
Hoje é conhecido no mundo inteiro e tem inúmeras variações.
Quem nunca se lambuzou comendo um que atire a primeira pedra!! 

  
 

24 de jul. de 2012

¡Viva Mexico!

Mole Poblano tradicional com peru
Minha versao com pato cozido à baixa temperatura
Muito temos a agradecer ao México pela sua tradição culinária, seus ingredientes típicos e sua influência no sabor hoje impresso em toda a gastronomia latina.
Há muitos e muitos anos as civilizações que lá viveram construíram uma cultura imensamente rica e o que comprovamos na gastronomia é apenas um pedacinho disso.
Um dos ingredientes que nada seria, não fosse a cultura Olmeca, Asteca e Maia, é um dos produtos mais consumidos no mundo de hoje: o Chocolate.
Claro que hoje ele é diferente do que foi. Mas o importante é a descoberta desse sabor que encanta, não só na versão mais conhecida - a doce - mas também na versão salgada, sendo usado como ingrediente de um dos mais conhecidos molhos mexicanos: o Mole.
O nome, Mole, vem da palavra asteca que denominava sopa/molho. Mas a receita tem várias versões do seu aparecimento.
Fato mesmo, é que o lugar onde "nasceu" esse molho se chama Puebla, uma cidade no meio do México, onde se situava o Convento de Santa Rosa.
Todas as versões do que seria a verdadeira história do Mole Poblano tem o convento como local onde tudo começou.
E o que se sabe é que, assim que foi inventado, tinha uma centena de ingredientes na receita, o que, ao longo do tempo foi-se mudando até chegar ao que conhecemos hoje.
Contudo, a receita ainda é longa.... e praticamente secreta. Suas versões, que não são poucas, são passadas dentro das tradições familiares e cada receita leva o que mais apetece ao integrantes da família.
Hoje em dia, cada região do México tem seu próprio mole. Destacando-se o estado de Oaxaca que coleciona a maior variedade deles. E cada um é indicado para ser degustado com um tipo de carne, que vai desde o tradicional peru/frango passando por carne bovina, suína e até iguana. 
Já que o preparo do molho exige tempo e dedicação para conseguir todos os ingredientes necessários, uma família começou a vender "seu próprio Mole" nas ruas da Cidade do México. Dessa idéia surgiram fábricas de bases de Mole que são muito consumidas até hoje.
Com tanta tradição, o famoso molho se tornou Patrimônio Cultural do México, contando até com uma feira nacional que acontece todos os anos.


25 de jun. de 2012

"Un Croque, Monsieur, s'il vous plait!"

Croque Monsieur com salada
Essa frase pode ser ouvida com muita frequência na França. Aliás, ela pode até ser alterada para " Un Croque Monsieur, S'il vous plait!" mas sempre significando o mesmo pedido gentil por um famoso sanduíche parisiense: o Croque Monsieur!
Há quem diga que suas origens não são exatamente parisienses, mas a verdade é que esse "modelo" de sanduíche apareceu pela primeira vez em um cardápio de um café no Boulevard des Capucines em Paris em 1910 e daí pra frente só ganhou adeptos e também algumas adaptações. Seu nome, porém, surgiu só em 1960 já que era crocante e, em sua maioria, consumido por homens para uma refeição rápida.
O que se diz é que ele surgiu depois de trabalhadores de construções civis da capital francesa "esquecerem" seus sanduíches do almoço muito perto de maquinários que, ao funcionar, esquentavam muito o seu redor. Conclusão: o sanduíche de presunto cozido e queijo gruyère ficou quente, o queijo derretido e levemente dourado.
O sanduíche francês mais famoso estava quase pronto.... só faltava o croque (do verbo francês croquer: rangir/ estar crocante). 
Para isso os cozinheiros franceses não pensaram duas vezes e saltearam o pão na manteiga antes de preparar o sanduíche.
Com isso o Croque Monsieur ficou conhecido mundialmente como o snack mais famoso da França depois de ser citado em livros de escritores franceses.
Como toda receita que permanece por muito tempo, existem sempre as adaptacoes.
Com o Croque Monsieur não foi diferente e ao longo de tantos anos muitas versões foram criadas, porém sempre mantendo a mesma base, sendo as mais famosas:
  • Croque Madamme: com ovo frito por cima - tem esse nome por se assemelhar aos chapéus das senhoras da época.
  • Croque Provençal: com tomates
  • Croque Auvergnant: com queijo Bleu d'Auvergne (tipo roquefort)
  • Croque Norvégian: com salmão defumado
  • Croque Bolognese: com molho bolonhesa
  • Croque Señor: com salsa picante de tomates
  • Croque Hawaiian: com abacaxi
Não importa qual deles se pede na França, o importante é provar pelo menos uma versão de Croque Monsieur. Bom Apetite!


13 de jun. de 2012

A Vovó tinha razão!!

Bolinhos de Chuva para o café da tarde.
Ao contrário de muitos cozinheiros de hoje em dia, confesso que quando pequena não tinha toda essa vocação para a gastronomia. Isso foi se desenvolvendo com o tempo dentro de mim. O que eu tinha mesmo era curiosidade. Não sei se posso dizer curiosidade gastronômica, mas com certeza o que eu queria era descobrir qual a mágica que minha avó fazia com as mãos e que, como resultado, deixava tudo o que preparava tão gostoso.
Depois de anos de estudo - técnico mesmo - aprendendo o quê e o porquê de cada ingrediente, de cada gesto e de cada modo de preparo, agora entendo com um pouco mais de clareza que o mistério das mãos dos cozinheiros e das estórias em torno de cada prato faz toda a diferença!
Vejamos o exemplo do famoso Bolinho de Chuva. Qual brasileiro pode dizer que não guarda em si ao menos uma lembrança sobre ele??
Eu tenho muitas lembranças quando o assunto é Bolinho de Chuva, entre elas o fato sempre dito por todas as avós, tias ou mães que os preparavam de que não daria certo fazê-los em dia de sol. Ou também de ter cada um sua receita especial com ou sem medidas precisas e que sempre depende da mão da cozinheira pra dar certo!
Verdade ou não, isso tudo faz parte da história de um dos bolinhos mais amados no Brasil.
Fato mesmo é que ele surgiu em Portugal como uma versão das conhecidas Bolas de Berlim - os sonhos de padaria tradicionais alemães - mas que, porém, não tinham recheio e eram polvilhados também com canela além do açúcar.
No Brasil a receita caseira chega com versões à base de mandioca e cará, já que a farinha vinda de Portugal era muito cara. Com a popularização da farinha de trigo no século XIX o bolinho tornou-se mais tangível sendo firmemente divulgado por Monteiro Lobato através do Sítio do Picapau Amarelo, onde a Tia Nastácia os preparava para as crianças, como manda a tradição, em dias de chuva quando os pequenos não poderiam sair para brincar fora de casa.
É claro que há também a razão técnica para prepará-los somente nos dias de chuva - as frituras feitas nesses dias tem mais chance de não encharcar devido à pressão atmosférica um pouco mais baixa causada pela temperatura também mais baixa - mas na verdade eu prefiro mesmo a versão tradicional da vovó.... ela tinha mesmo razão!
Segue aqui o link para fazer o famoso Bolinho de Chuva da Tia Nastácia do Sítio do Picapau Amarelo. Bom Apetite!
http://www.terra.com.br/culinaria/infograficos/comidas-famosas-tv/comidas-tv-01.htm 

23 de mai. de 2012

Tão longe, Tão perto...

Acho que faz parte pelo menos da lembraça dos adultos que, quando crianças iam para as fazendas, chácaras e afins, aqueles arbustos abundantes cheios de capim.... mas que a mãe sempre dizia: "Tome cuidado minha filha.... isso pode te cortar!"
Para mim, tenho a lembrança ainda muito nítida de imaginar de formas mirabolantes como que, de um talo relativamente pequeno, poderia surgir aquela quantidade toda de folhas finas e longas que realmente nos cortava quando passava na pele.
Sopa Tailandesa Tom Khaa Gai
Rizoma de capim Limao
De várias andanças pelo pomar no fim da tarde, aprendi, como que em aulas ao ar livre, que aquele capim era bom.... mas bom pra quê??!!
Ah, pra fazer chá! Simples assim.
Com os invernos do interior de São Paulo, que incrivelmente são quase tao intensos como o inicio do inverno Europeu, aprendi a gostar daquele capim que tinha um sabor diferente, um frescor que ao mesmo tempo aquecia e um aroma inconfundível de aconchego. Pronto, fui apresentada ao Capim Limão, ou como queira chamar: capim cidreira, erva cidreira, capim santo, chá de estrada, entre outros.
Muito tempo depois vim a descobrir que esse capim, não é somente mais um qualquer dentro daquela quantidade infinita de capim que se encontra numa fazenda. 
Ele tem um papel muito importante na culinária asiática de forma geral, entre elas nas mais usadas como tailandesa, vietnamita, malasiana, indonésia e filipina.
O capim limão tem, na verdade, mais qualidades do que imaginamos.... O chá feito das suas folhas finas - frescas ou secas - a comida feita com seu rizoma - esmagado ou cortado em pequenos pedaços - e o óleo essencial são alternativas naturais para diminuição de ansiedade, regulação da pressão arterial, desbloqueio das vias aéreas, é bactericida, analgésico e, segundo a aromaterapia harmoniza ambientes, aumenta a concentração e ainda é um bom agente anti-stress e anti-depressão.

Segundo pesquisas agronômicas o capim limão é nativo do sul da Índia, por isso muito usado em misturas de curry feitas a mão e com todas suas propriedades foi facilmente difundido para uso nos outros países da Ásia.
Com esse rico "currículo", o capim limão é um dos ingredientes que mais simboliza a culinária asiática, tendo papel especial também na culinária budista em geral.
Há quem diga que o uso do capim limão foi difundido no Brasil pelos portugueses que o trouxeram devido às suas propriedades medicinais. Mas ainda não encontrei esse "elo perdido". 
De qualquer modo, é inegável como um cházinho de capim limão dá o conforto que precisamos nos dias frios. Então, segue aí minha proposta para começar a prová-lo de outras formas... no suco, como tempero da sopa, do peixe, do frango, enfim... o importante é provar! Bom apetite!