17 de abr. de 2014

Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim....

Criações de Páscoa: Escultura de ovos e bombons variados
Já é Páscoa, uma data esperada e comemorada por muitas culturas no mundo.
Apesar das comemorações muitas vezes acontecerem em datas diferentes, o princípio é praticamente o mesmo: um marco de passagem.
Para os cristãos, ortodoxos ou não, a passagem da morte para a ressurreição; para os judeus, da escravidão para a liberdade e para os pagãos, a passagem do inverno para a primavera.Todos, sem exceção, marcam um período de renovação, onde a esperança e prosperidade caminham juntas no mesmo sentido.
Assim, cada um ao seu modo, representa seus rituais para abrir-se às novas possibilidades e ao período de bonança que está por vir.
E em se tratando de ritual, não podemos esquecer que a comida é parte importante, independente de qual se segue.
Curiosamente, um ingrediente sempre presente nos rituais da Páscoa é o ovo. Simbolicamente especial, por representar a vida nova, ele é consumido por todos as culturas que comemoram a Páscoa.
Quando falamos em ovo de Páscoa logo vem à nossa cabeça a figura do coelho com seus ovos de chocolate. E para entender essa ligação entre o ovo e o coelho, descobri uma lenda da mitologia nórdica onde a deusa da primavera, Eostre, estava durante o outono cantando com as crianças em um jardim quando um pássaro pousou em sua mão. Para encantá-las ela lançou um feitiço que transformou esse pássaro em lebre, seu animal predileto. Passado um período, as crianças, antes maravilhadas com a transformação, compreenderam que a lebre agora estava triste, já que não podia mais voar nem botar ovos. Foram, então, pedir a Eostre que desfizesse o feitiço, mas a deusa teria que esperar até a primavera, onde seus poderes estavam no ápice, para reverter, pelo menos por algumas horas, a condição do animal, visto que os feitiços são irreversíveis.
Assim o fez Eostre, transformou a lebre em pássaro e este voou feliz e voltou para botar ovos, muitos ovos. Logo depois voltou a ser lebre e sabendo que esta seria sua nova condição decidiu pintar os ovos e distribuir às crianças como um símbolo de vida nova.
Desde então, a deusa compreendeu a tolice do seu ato de interferir no livre arbítrio de um outro ser, e para nunca mais o fazer entalhou na lua a figura de uma lebre/coelho que pode ser visto quando a lua cheia aparece.
Essa lenda nórdica fez parte da cultura pascal do império germânico por muitos anos até que o império romano chegasse trazendo consigo a cultura cristã.
Da mistura dessas culturas, surgiu o modo cristão de se comemorar a Páscoa hoje em dia, com os rituais religiosos e as figuras do coelho e dos ovos de chocolate.
Bem, o coelho está explicado, mas porque o chocolate?
Por que a cultura pagã do império germânico foi mais forte na Alsácia, fronteira da Alemanha com a França, e dali muitas especialidades culinárias encantaram o mundo.
Não foi diferente com os ovos de chocolate. No século XVIII os confeiteiros da corte, que tinham acesso aos mais finos ingredientes, já utilizavam chocolate em suas preparações. Foi então que  eles tiveram a brilhante idéia de abrir um ovo de galinha, retirar seu conteúdo e colocar ali dentro chocolate e marzipan para que o Rei pudesse presentear seus companheiros da corte com um ovo "personalizado".
O mesmo aconteceu com a colomba pascal que nasceu com o formato de um cordeiro (simbolizando o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo na cultura crista) e, dependendo da cultura tem formatos e receitas diferentes.
Desde então, as delícias da Páscoa são consumidas mundo afora sempre com um ritual e um significado próprios!
Boa Páscoa!

29 de mar. de 2014

Fortuna a tutti!

Gnocchi di Ricotta(esq), Recheado (centro) e Romano - de semolina (dir)
Hoje é dia 29!  Não há como não se lembrar da famosa tradição de comer gnocchi para garantir bonança até o dia 29 do próximo mês. Pelo menos para uma família italiana....
Nas mais tradicionais famílias italianas que se instalaram na América Latina o costume é bem difundido chegando até, em alguns casos, ser praticamente uma obrigação.
Na verdade, a tradição não é puramente italiana como se pensa e sim argentina..... mas peraí, o que então os italianos tem a ver com isso???? Tudo! Afinal a lenda que deu origem à tradição do gnocchi da fortuna é italiana.
Diz-se que na antiguidade São Pantaleão se disfarçou de andarilho e saiu pelas ruas de um vilarejo italiano pedindo comida. Uma família simples o acolheu, ainda que não tivesse muito para dividir. Assim, cada pessoa que se sentou à mesa naquela noite recebeu 7 "gnocchis" no seu prato. Agradecido, São Pantaleão se despediu e foi embora. Porém, a grata surpresa veio quando, ao recolher a louça, a família descobriu moedas de ouro debaixo dos pratos "deixadas" pelo santo.
Influenciados pela lenda, os italianos imigrantes que chegavam à América teriam iniciado a tradição de comer gnocchi no dia 29 de junho, devido à devoção à São Pedro, garantindo um ano de fortuna e sorte. Mais tarde, os restaurantes viram uma boa oportunidade em oferecer "o benefício" de reforçar os votos a cada mês.
Muito antes disso, entre 5000 e 500a.C. mais ou menos, as primeiras sociedades agrárias da região do Val di Ledro no Lago Varese - Lombardia, já faziam gnocchi, segundo um estudo arqueológico numa vila de palafita nos alpes protegido pela UNESCO.
Esse gnocchi era feito com uma pasta de cereais que era obtida através do uso de pilões de pedra.
Na Roma antiga o gnocchi feito de semolina já era popular e tradicional na culinária. 
Com o passar dos anos o gnocchi chegou à corte Sforzesca, em Milão, onde era prato certo durante as festividades militares e casamentos. Esses eram feitos com miolo de pão, leite, amêndoas e queijo Cacio Lodigiano e se chamavam zanzarelli.
Dependendo da ocasião haviam mudanças de cor acrescentando-se espinafre ou outros legumes de cores fortes. Para dar um ar de riqueza ao prato, muitas vezes era feito com caldo de aves, ovos e acafrão que resultavam na cor dourada.
Nos anos 600 o zazarelli se transformou e passou a se chamar malfatti - mal feitos em italiano - que tinham farinha, água e ovos, de acordo com a receita, ao invés do pão e amêndoas.
Somente no século XVI, depois da chegada da batata na Europa, é que ela se tornou o ingrediente base do gnocchi que conhecemos hoje.
Até hoje na Itália, o gnocchi é um prato de festa, independente do dia da semana que é servido.
Então, se tem gnocchi é pra festejar!
 












22 de mar. de 2014

O legado das irmãs Tatin

Tarte Tatin sendo virada e pronta para servir com uma quenelle de sorvete
É primavera! Começa um novo ciclo que traz consigo a marca do renascimento e da prosperidade. Com as primeiras flores começando a aparecer por aí, não posso deixar de pensar nos pomares de macieiras floridas que existem aos montes em Frankfurt e seus arredores.
Curiosamente a maçã por si só, tem uma simbologia muito especial e que "casa" perfeitamente com a época: fertilidade e amor nas suas flores e imortalidade e pureza nos seus frutos.
Depois dessa "viagem" toda, é praticamente impossível pra mim não associar essa informação toda a uma comida.... rsrsrs
E claro, me veio à cabeça uma das tortas mais famosas (senão "A" mais famosa) mundo afora: Tarte Tatin!
Diz a lenda (a mais conhecida, pelo menos) que as irmãs Caroline e Stéphanie Tatin herdaram um hotel depois da morte do pai em LaMotte-Beuvron, no Vale do Loire. Uma se dedicava mais à administração e outra mais à cozinha. E numa noite de intenso movimento, devido ao período de caça na região, Stéphanie teria se esquecido de montar a torta, já famosa do local, com a massa por baixo. Quando se deu conta do equívoco tentou salvar a sobremesa colocando a massa por cima e virando-a no prato para servir. E, visto que as maçãs já estavam bem caramelizadas serviu ainda morna. Conclusão: Sucesso total! A grande fama mesmo só teria se concretizado anos depois quando o dono do Maxim's de Paris teria se disfarçado de jardineiro no hotel para obter a receita que foi levada ao famoso restaurante onde teria sido chamada de "Tarte des Demoiselles Tatin" (torta das senhoritas Tatin).
Mas como uma versão só não me parece suficiente, encontrei outra baseada num diário de uma amiga das irmas Tatin, num livro de receitas de um juiz amigo da família que cozinhava por hobby e no livro de receitas de uma ex-funcionária do hotel. Nessa versão a história é assim:
A torta teria sido criada em 1880 pelas irmãs Tatin baseada em receitas tradicionais da região. O hotel seria aberto em 1894, inicialmente com o Nome de Hotel de La Gare, depois Hotel Pin d'Or e somente depois como Hotel Tatin. Em 1900 o Hotel Tatin já aparecia como referência no famoso Guia Michelin.
Diferentemente das receitas de hoje em dia, a torta levava ingredientes simples, facilmente encontrados na região, sem adição de especiarias, calvados ou mesmo uvas passas, sua massa era uma simples pâte brisée sucrée (massa podre doce) e que deveria ser servida morna e sozinha. A diferença ficava por conta do tipo de maçã, bem mais difícil de ser encontrada  hoje em dia e no modo de preparo que exigia um "four de Champagne" (forno da região de Champagne) que se assemelhava a uma caçarola de ferro com tampa onde se colocavam as brasas por cima para dar tempo ao açúcar de se transformar em caramelo sem queimar.
Sua fama teria se iniciado 20 anos depois da aposentadoria das irmãs quando a receita apareceu no livro "La France Gastronomique".
Como a sobremesa foi parar no Maxim's ainda não se sabe, já que lá eles investem no glamour da estória do jardineiro-espião mesmo o dono tendo somente 4 anos quando da aposentadoria das irmas em 1906.
Fato mesmo é que a Tarte Tatin encanta quem a prova desde o século XIX, seja lá qual a versão que acreditamos. E prová-la do modo tradicional ou com todos os aperfeiçoamentos da receita é, indiscutivelmente, a parte mais saborosa!