10 de jun. de 2025

Em terra de IA, quem tem uma ideia é rei.

É inegável que, a cada dia, o uso indiscriminado e até exagerado da inteligencia artificial nos leva a um destino ainda desconhecido, porém "confortável" no que se refere ao esforco pessoal para praticamente qualquer tarefa.

Fica mais fácil acompanhar essa transicao nos servicos que, automatizados em algumas áreas, se tornam mais rápidos e mais precisos. Já na gastronomia há a dificuldade de se automatizar algo que originalmente e naturalmente é feito com as maos. Nao necessariamente artesanal, mas feito com as maos.

A diferenca entre o chefe da cozinha e os outros cozinheiros da equipe sempre foi a capacidade de pensar e elaborar um cardápio além do talento em liderar um time e organizar a  producao desses alimentos, ajustar e equilibrar os sabores e, o que eu considero um dos maiores diferenciais, saber reaproveitar cada descarte de porcionamento de forma elegante e saborosa.

Meus primeiros contatos com essa capacidade, ou a falta dela, foram no Zuka (RJ) onde aprendi que essa qualidade num chefe de cozinha pode impulsionar ou afundar um restaurante. Dali, já no Café Laguiole, aprendi a arte da cozinha francesa na sua essencia especial, seu charme excepcional e principalmente no seu reaproveitamente elegante. O Chef Pierre Patrick de Belissen me ensinou como se elabora um cardápio integrado no uso dos ingredientes de forma inteligente, auspiciosa, respeitosa e pertinente à cada época do ano. Foram 6 meses ali, aprendendo os segredos de um oficio que só se aprende com prática, intencao e com as maos.

Hoje vejo os novos chefes de cozinha abrindo suas geladeiras e perguntando aos assistentes de IA o que fazer. Elaborando cardápios com o Chatgpt. Muitos nao sabem o que é e nem como funciona sazonalidade. 

Se por um lado há uma chance de a IA melhorar o servico de gastronomia indicando o que comprar e o que cozinhar, por outro também, e infelizmente, há a chance de tudo se igualar, se tornar padrao.

E a questao que me inquieta é: quanto tempo ainda temos pra apreciar o encantamento  nas cozinhas de maos talentosas que teimam em cozinhar sem essa tecnologia avalassadora? Quantos serao os lugares em que poderemos realmente provar comida caseira, respeitosa e afetiva?

LG

CarolP 

30 de mai. de 2025

Menopausa na cozinha?

Muito tem se falado da menopausa nos últimos tempos. Enfim discussoes mais abertas sobre os sintomas que afetam mulheres nos seus mais diversos ambientes.
Debates sinceros sobre um tema que muda a vida e a performance da mulher a partir dos seus 40 anos. 
Mas, e os homens? Eles nao tem alteracao nenhuma nas suas vidas, nunca?
SIM, tem sim! E essa mudanca tem nome, se chama andropausa, e sabe o que ela causa??? Muitos dos sintomas que afetam mulheres na menopausa / perimenopausa tambem sao sentidos por homens na andropausa - irritacao, tristeza, alteracoes de humor, fadiga, problemas de memória, entre outros.
E o que eu quero dizer com isso?
Bem, vamos abrir o verbo e lembrar que o ambiente das cozinhas profissionais é predominantemente masculino apesar da realidade inversa dentro de casa.
Com isso, os efeitos da andropausa na performance da equipe de cozinha tem que ser levados em consideracao, ainda mais quando pensamos na saúde mental do ambiente da gastronomia.
Os famosos "pitis" dos chefes de cozinha nao sao mera explosao por conta do stress do dia a dia. E vamos mais além, num único prato servido num restaurante há pelo menos o trabalho de 6 a 8 maos. Isso se contarmos só as maos dos cozinheiros, mas isso é tema pra outro post ;)
Se metade do time for masculina, temos ai praticamente 50% de maos tensas, muitas vezes tristes e vascilantes, tudo porque nao há conhecimento nem discussao, muito menos apoio àqueles que precisam.
O ambiente de cozinha por si só é hostil. E muitas vezes insalubre. Se o estado do humor ali dentro nao for acolhedor e solidário, com o chefe apoiando e sendo apoiado por sua equipe a grande chance é de acabar em acidentes, doencas, discussoes, falta de qualidade dos produtos e do servico... e tudo isso se reflete diretamente no retorno do investimento do restaurante.
A pressao pelo rendimento, pela performance e pela própria concorrencia combinada com os sintomas como tristeza, falta de memória, fadiga, irritabilidade e até depressao daquele ou daqueles que comandam o negócio refletem essa combinacao nas cozinhas que sempre precisam de novos funcionários - ninguém fica muito tempo, na caída do movimento, perda de qualidade devido à falta de interesse dos funcionários em prestar um bom servico.
Escolher um bom restaurante nao é só sobre uma boa comida e um bom servico, ao contrário, esses sao sinais de uma boa cozinha e consequentemente um bom restaurante.
Lembre-se disso ao escolher o lugar da sua próxima refeicao!

Liebe Grüße



17 de abr. de 2025

Já comeu RAIVA?

Vamos polemizar, hoje??

Aposto que já aconteceu com voce ou com alguem que estava com voce num restaurante e que pediu uma carne bem passada e a recebeu ao ponto menos. Voce chama o garcom e pede pra passar a carne mais uma vez. A cara dele é uma incognita... e voce pensa: sera que ele também acha que precisa passar mais? Será que ele tá me julgando e pensando que quero estragar a carne? Será que o chef vai devolver igual, ou pior... será que ele vai cuspir no meu bife?

olha... o máximo que já vi acontecer foi o chef, num mal humor típico de quando temos que refazer um trabalho, gritar na cara do cozinheiro pra deixar a carne na grelha até estragar e entao servir assim.

O ponto aqui é que no momento em que essa comida volta pra cozinha e é "refeita", o chef entende isso como uma reprovacao do trabalho dele (nao que o cliente nao tenha razao).

E o que volta pro nosso prato? Sendo sincera mesmo... Raiva.

É claro que erros podem acontecer mas, normalmente o cozinheiro responsável pela carne prepara carne o tempo todo, todos os dias em que trabalha, ou seja, errar o ponto da carne nesse caso significa que a cozinha está caótica e propícia a erros.

Aqui o exemplo é o ponto da carne mas poderia ser o sanduiche sem cebola, o molho à parte, uma pasta sem o ingrediente que te causa alergia.

Retrabalho na cozinha significa perda de dinheiro direto, perda de tempo e, claramente, dificuldade em cuidar do cliente. E a causa pode ser um ambiente de trabalho hostil e nao colegial.

A cozinha é o mais classico exemplo de trabalho em equipe. No seu prato tem o trabalho de pelo menos 4 pessoas - uma que prepara a proteína, outra que faz o molho, outra que cozinha os acompanhamentos e a decoracao do chef que entrega o prato ao servico.

Quando nao há concentracao, confianca, sincronicidade e o mínimo de harmonia dentro da equipe o resultado é o ERRO. 

Já pensou em quantos lugares voce pediu uma comida e recebeu raiva de brinde??

Por isso mesmo, pense bem onde come.

Liebe Grüße



14 de mar. de 2025

Tá aí a treta!!!

 As tretas sempre foram uma forca motriz na história da humanidade e na cozinha nao é diferente.

 Treta é o que nao falta no mundo da gastronomia. Seja entre restaurantes concorrentes ou até mesmo dentro da cozinha sempre tem uma disputa rolando.

Vale lembrar que no mundo da gastronomia o sistema é muito similar ao militar "manda quem pode e obedece quem tem juízo". Só nao obedece quem tem costas quentes ou talentos especiais tipo QI ou os filhos dos donos da poha toda.

Enfim, conceitos à parte, nessas disputas o objetivo é, normalmente, trocar quem manda ou quem se destaca, nesse caso, de preferência quem é novo na equipe e se destaca.

Eu tinha pouco tempo de volta ao Brasil depois do meu Master na Italia. Fui apresentada por um amigo à um grupo de entusiastas da gastronomia que desejava abrir um café no Itaim e tinham por objetivo vir a ser uma Fauchon em SP. Falamos de 2006, naquela época pouca gente sabia o que era uma loja de pratos rápidos, bonitos e bem feitos nos modelos franceses. Isso sem falar na patisserie de alta qualidade e muita técnica. 

Me empolguei, entrei com tudo no plano árduo que vinha pela frente. Muito trabalho, muita paciência para ensinar e um toque de improvisacao, afinal o café inteiro devia ter o tamanho do balcao da Fauchon em frente à Igreja La Madeleine em Paris.

Entre improvisacoes com ingredientes, falta de espaco físico para producao dos produtos e o conhecimento limitante da equipe, surge o Zé, o entao chefe da cozinha que, apesar de nao saber fazer uma massa de quiche simples, pensava que aquela menina mimada que foi estudar fora mal sabia fazer suspiro.

Uma das minhas tarefas era ensinar o Zé a fazer o básico na área salgada já que eu ficaria com as técnicas mais complicadas da confeitaria. Só que, como a treta nunca acaba nesse mundo, eu agora era o alvo na disputa pela atencao dos sócios do negócio. Afinal, quem se destaca mais tem mais chance de ser chefe. O que o Zé nao sabia era que um dos sócios, um professor de física de um cursinho pré vestibular que acreditava poder cozinhar, também pleiteava o cargo de chefe que apareceria na capa da Vejinha SP como destaque no cenário culinário da cidade.

Quando a disputa se acirra, nao tem como saber até onde vai o limite de cada um na investida pelo objetivo, o que eu nao sabia era que as disputas na área de marketing eram talvez menos baixas que na cozinha. Mas aprendi. 

Aprendi que uma pessoa que faz uma coisa errada por muito tempo, acreditando saber o que faz, se sente inseguro quando aprende como se fazer direito, mesmo que o direito seja ainda mais facil do que o errado.

E nessa disputa, quem saiu perdendo foi a clientela do Le Boulanger (que pelo jeito nao existe mais) que comeu quiche "francesa" com massa feita com gordura hidrogenada, Ragout de carne aromatizado com bouquet garni amarrado com o barbante que segurava uma grade no pé do fogao, salada com vinagrete de concentrado de groselha porque era frescura usar framboesa e ravioli recheado de carne moída tipo recheio de pastel, porque dava muito trabalho fazer o recheio italiano.

Essa é uma treta que nunca mais esqueci. Minha primeira dentro da cozinha.

Liebe Grüße

10 de mar. de 2025

Quando tudo comecou

 Nos idos de 2004 quando iniciei meu primeiro estágio na gastronomia eu me dei conta que os bastidores dos restaurantes era um ambiente diferente de tudo que havia visto até entao trabalhando em marketing.

Quem vem do ambiente de marketing / agencia de publicidade ve muita coisa doida por ai, até mesmo porque a profissao procura e incentiva muito isso. Mas era diferente.

O primeiro descontrole emocional de um chefe de cozinha eu vi ali, num restaurante recem inaugurado do Rio de Janeiro, bairro nobre, rua de roteiro de novela.

Um menino novo, hoje em dia conhecido dos programas de culinária da TV, que tinha acabado de iniciar sua carreira se permitia, aos berros, tratar sua equipe durante o sevico para deleite dos clientes curiosos que afogavam suas mágoas no balcao da cozinha aberta. Aquele menino que nao tinha de idade nem a metade do tempo de experiencia em restaurante que o mais novo cozinheiro do time.

Esse foi só o meu primeiro contato com a precariedade da saúde mental daqueles que trabalhavam num ambiente onde a pressao para a comida ser saborosa, sair mais rápido que a fome do cliente e ainda agradar à métrica estética da maioria das pessoas exige.

Ali aprendi que a conduta emocional nao linear poderia ser relevada, e ainda mais, até valorizada, criando uma persona que seria "vendida" pela agencia de marketing e acessoria de imprensa como criativa e eloquente.

Daí pra frente, muitos episódios chamaram minha atencao. Praticamente em todos os lugares que trabalhei nesses 20 anos de gastronomia tinham um ou mais personagens como esse.

E minha pergunta sempre foi a mesma: mas, porque eles podem agir assim, se dependem do bom funcionamento da equipe para seu próprio sucesso?

A resposta veio quase 15 anos depois, quando um chefe alemao disse ao meu colega em alto e bom som: "Aqui nao há democracia. Se quiser democracia vá trabalhar para o estado."

Liebe Grüße

CarolP  

Daqui pra frente, tudo vai ser diferente.... mas será?

 Daqui pra frente, nada será igual, mas também nao tao diferente assim.

Reparem que o modo de escrita deve mudar. O tom investigativo e neutro que usei até aqui vai dar lugar à narrativa da perspectiva de uma marketeira muito interessada em gastronomia que embarcou na aventura de mudar de profissao, de casa e de país. Nao necessariamente nessa ordem, mas no final foi tudo o que aconteceu.

Entre acertos e erros, hoje descobri que escrever me mantem lúcida, mais calma e principalmente feliz.

Me acompanhem nessa nova jornada. Abram seus olhos e coracoes para narrativas vivas dentro das minhas memórias, algumas com consequencias que permanecem até hoje.

Nao há ordem cronologica nem sugestao de leitura. Tenha apenas tempo para cada leitura, porque, se tudo correr como espero, cada post deve causar uma reflexao, que pode acontecer a qualquer momento depois da leitura, quem sabe até uns 20 anos depois quando, em um breve momento, uma situacao igual acontecer, ou for narrada por outro alguem.

Fique a vontade, divirta-se, chore ou reze por mim.

Liebe Grüße

CarolP.