14 de mar. de 2025

Tá aí a treta!!!

 As tretas sempre foram uma forca motriz na história da humanidade e na cozinha nao é diferente.

 Treta é o que nao falta no mundo da gastronomia. Seja entre restaurantes concorrentes ou até mesmo dentro da cozinha sempre tem uma disputa rolando.

Vale lembrar que no mundo da gastronomia o sistema é muito similar ao militar "manda quem pode e obedece quem tem juízo". Só nao obedece quem tem costas quentes ou talentos especiais tipo QI ou os filhos dos donos da poha toda.

Enfim, conceitos à parte, nessas disputas o objetivo é, normalmente, trocar quem manda ou quem se destaca, nesse caso, de preferência quem é novo na equipe e se destaca.

Eu tinha pouco tempo de volta ao Brasil depois do meu Master na Italia. Fui apresentada por um amigo à um grupo de entusiastas da gastronomia que desejava abrir um café no Itaim e tinham por objetivo vir a ser uma Fauchon em SP. Falamos de 2006, naquela época pouca gente sabia o que era uma loja de pratos rápidos, bonitos e bem feitos nos modelos franceses. Isso sem falar na patisserie de alta qualidade e muita técnica. 

Me empolguei, entrei com tudo no plano árduo que vinha pela frente. Muito trabalho, muita paciência para ensinar e um toque de improvisacao, afinal o café inteiro devia ter o tamanho do balcao da Fauchon em frente à Igreja La Madeleine em Paris.

Entre improvisacoes com ingredientes, falta de espaco físico para producao dos produtos e o conhecimento limitante da equipe, surge o Zé, o entao chefe da cozinha que, apesar de nao saber fazer uma massa de quiche simples, pensava que aquela menina mimada que foi estudar fora mal sabia fazer suspiro.

Uma das minhas tarefas era ensinar o Zé a fazer o básico na área salgada já que eu ficaria com as técnicas mais complicadas da confeitaria. Só que, como a treta nunca acaba nesse mundo, eu agora era o alvo na disputa pela atencao dos sócios do negócio. Afinal, quem se destaca mais tem mais chance de ser chefe. O que o Zé nao sabia era que um dos sócios, um professor de física de um cursinho pré vestibular que acreditava poder cozinhar, também pleiteava o cargo de chefe que apareceria na capa da Vejinha SP como destaque no cenário culinário da cidade.

Quando a disputa se acirra, nao tem como saber até onde vai o limite de cada um na investida pelo objetivo, o que eu nao sabia era que as disputas na área de marketing eram talvez menos baixas que na cozinha. Mas aprendi. 

Aprendi que uma pessoa que faz uma coisa errada por muito tempo, acreditando saber o que faz, se sente inseguro quando aprende como se fazer direito, mesmo que o direito seja ainda mais facil do que o errado.

E nessa disputa, quem saiu perdendo foi a clientela do Le Boulanger (que pelo jeito nao existe mais) que comeu quiche "francesa" com massa feita com gordura hidrogenada, Ragout de carne aromatizado com bouquet garni amarrado com o barbante que segurava uma grade no pé do fogao, salada com vinagrete de concentrado de groselha porque era frescura usar framboesa e ravioli recheado de carne moída tipo recheio de pastel, porque dava muito trabalho fazer o recheio italiano.

Essa é uma treta que nunca mais esqueci. Minha primeira dentro da cozinha.

Liebe Grüße

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